As divisas de alguns países são tão impressionantes
que podem ser vistas até do espaço. De um lado há verde e água; do outro, tudo
é seco. Se aqui há ordem, lá reina o caos. Conheça nove das fronteiras mais
contrastantes do mundo.
ESTADOS UNIDOS / MÉXICO - A
CERCA DE METAL

Deste lado, Tijuana
é caótica, cinzenta, densamente povoada, com uma proliferação de casas feitas
de pneus e materiais reciclados. Sua expansão só é impedida por uma cerca. Isso
porque do outro lado está San Diego, Califórnia. O cenário é opressor. O
cercado é feito de chapas de metal usadas em pistas de pouso nas guerras do
Vietnã e do Golfo. A imagem não deixa dúvida. Enquanto o centro de Tijuana
avança rumo à fronteira e ao dinheiro americano, o de San Diego se afasta da
pobreza mexicana. "Atravessar a fronteira pode levar até cinco horas. A
segurança para entrar no lado americano é muito mais rígida, especialmente por
causa do tráfico de drogas", diz o americano Adam Johnson, que já fez a
travessia mais de dez vezes - em alguns casos, só para comer em um restaurante
mexicano. Segundo ele, a volta é tumultuada também porque policiais de Tijuana
costumam exigir propina para seguir viagem. "São geralmente US$ 20, mas
eles não deixam você sequer entrar na fila para cruzar a fronteira caso não
pague". E, se o trajeto México-EUA é bagunçado, o oposto é tranquilo: leva
só dez minutos em média.
COREIA DO SUL / COREIA DO NORTE - PARALELO 38 N

Ao final da Guerra
da Coreia, em 1953, os dois lados determinaram um cessar-fogo e estabeleceram
uma zona de segurança na fronteira, no paralelo 38 graus ao norte do Equador.
Sob a supervisão da ONU, a área é conhecida como "zona
desmilitarizada" e acabou virando, sem querer, um dos maiores pontos
turísticos da Coreia do Sul. Ninguém pode passar para o norte. E nem iria
querer: placas avisam sobre as inúmeras minas terrestres que cercam as
estradas. O fotógrafo brasileiro Ricardo Azoury esteve na fronteira. "Não
é um turismo fácil. Você precisa se justificar o tempo todo. No meu caso, tive
uma escolta", diz. Estas casas são postos de fronteira e têm uma porta em
cada lado para que soldados entrem sem invadir o país vizinho.
HOLANDA / BÉLGICA - FRONTEIRAS BAIXAS

Baarle tem limites
complicados. Parte dela é da Holanda e se chama Baarle-Nassau, enquanto a outra
pertence à Bélgica e é Baarle-Hertog. Cada uma tem sua prefeitura, policiais
etc. Mas a divisa não é marcada por uma linha contínua: é toda feita de estilhaços.
Há vários pedaços de Baarle-Nassau dentro de Baarle-Hertog e vice-versa. Os
únicos indicadores do país em que você se encontra são marcações na rua e
minúsculas bandeiras nacionais na porta das casas. A origem está no século 12,
quando dois senhores feudais não chegaram a um consenso para dividir a área de
maneira simples. Hoje, asfronteiras não
têm importância política, mas são defendidas pelos habitantes: eles dizem que,
se não fosse isso, a(s) cidade(s) seria(m) um lugar qualquer.
HAITI / REPÚBLICA DOMINICANA - ILHA RASGADA

A fronteira das
duas nações que
dividem a ilha de Hispaniola, no Caribe, tem contrastes extremos. "Em
muitos lugares nessa área, podemos olhar para o leste [o lado dominicano] e ver
florestas de pinheiros e, ao virar para o outro lado [o haitiano], vemos apenas
campos quase desprovidos de árvores", descreve o geógrafo Jared Diamond no
livro Colapso. Originalmente, a ilha como um todo era conhecida pela
exuberância de suas florestas. Hoje, 28% da cobertura vegetal está preservada
na República Dominicana, contra apenas 1% no Haiti - e as poucas reservas
haitianas estão ameaçadas por camponeses que derrubam árvores para fazer carvão
vegetal. A razão é histórica. Apesar de ser hoje um dos países mais
pobres do mundo, o Haiti desenvolveu uma pujante economia agrícola no século
18, chegando a ser a colônia mais rica da França. "Nessa época, o império
francês decidiu investir em plantações intensivas baseadas em trabalho escravo,
enquanto a Espanha não desenvolveu o seu lado da ilha [a República
Dominicana]", explica Diamond. Além disso, todos os navios que traziam
escravos voltavam para a Europa com cargas de madeira. Isso contribuiu para o
desmatamento mais rápido e a perda de fertilidade do solo - o que dá para ver
do céu.
BRASIL / FRANÇA - PARIS, AMAPÁ

Sim, o Brasil faz
fronteira com a França - e é a maior que eles têm, com quase 700 quilômetros,
na Guiana Francesa, um departamento ultramarino da França que faz divisa com o
Amapá. Lá, a moeda corrente é o euro, o que há anos atrai amapaenses em busca
de trabalho. Tanto que há muitos brasileiros francófonos na fronteira. Mesmo
assim, a única ponte que liga o Brasil à Guiana Francesa, sobre o rio Oiapoque,
ainda não foi inaugurada. Ela está pronta desde 2011.
ISRAEL / EGITO / PALESTINA - TRÍPLICE REALIDADE

Desde a criação de
Israel, em 1948, a terra do país ficou de cara nova, com áreas irrigadas e
cultiváveis, afastando-se da secura do país vizinho, o Egito. Hoje, Israel tem
áreas maiores de agricultura comercial irrigada. Enquanto isso, o solo egípcio
tem uma cor bem mais clara por causa da destruição de crostas biológicas que o
recobrem - o que pode ter sido provocado pelo pisoteamento da terra por homens
e animais, com o pastoreio excessivo. Já a Faixa de Gaza, território palestino
situado em uma estreita faixa costeira ao longo do mar Mediterrâneo, se destaca
por outra característica: a enorme concentração de pessoas, a maioria
refugiados, em um pequeno espaço. São 4 mil habitantes por quilômetro quadrado,
dez vezes mais que Israel - e a densidade demográfica do Egito é menor ainda:
apenas 74 pessoas por quilômetro quadrado. Com todo esse povo, apenas 13% da
Faixa de Gaza tem terras cultiváveis. Até do ponto de vista da Nasa, os contrastes
na região são gritantes.
ÍNDIA / BANGLADESH - MISÉRIA, MISÉRIA

São mais de 200
enclaves (um território dentro dos limites de outro) e exclaves (território
pertencente a outro, mas que não está fisicamente junto). Para se ter uma
ideia, há um pedaço da Índia dentro de um pedaço de Bangladesh que, por sua
vez, está dentro da Índia. E por aí vai. Mas não basta a complexidade das fronteiras, a disparidade
também choca: o lado bengalês é devastado, enquanto o indiano tem florestas
subtropicais. "De uma forma geral, a fronteira de Bangladesh é um reflexo
do país como um todo", afirma Moises Lopes de Souza, especialista em Ásia
do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais da USP. "Ele sofre com a
superpopulação, e quase metade de seus 150 milhões de habitantes sobrevive em
condições miseráveis". O país é majoritariamente agrário. Quase toda a
terra arável na região tem sido cultivada ou urbanizada, resultando na devastação
de grande parte das florestas originais.
LESOTO / ÁFRICA DO SUL - DESERTO E HIV

Praticamente todo o
contorno do Lesoto, um reino do tamanho de Alagoas encravado no meio da África
do Sul, pode ser visto do espaço. Na fronteira oeste, no lado sul-africano, a
terra é densamente cultivada e irrigada, enquanto em Lesoto ela está devastada.
Além da pobreza extrema e da Aids (uma em cada quatro pessoas tem o vírus HIV),
a desertificação e a erosão do solo são um problema grave no país. A culpa,
mais uma vez, é da exploração da madeira, usada como combustível, e do
pastoreio desenfreado.
ÍNDIA / PAQUISTÃO - A DANÇA DA DIVISA

Wagah é uma cidade
dividida ao meio: metade indiana, metade paquistanesa. É ali que, todas as
tardes, desde 1959, há uma cerimônia militar de fechamento dos portões da
fronteira. Idealizada e coreografada pelas patrulhas dos dois lados em respeito
à soberania mútua, ela atrai turistas de todo o mundo. "A coreografia,
tentativa de demonstração de bravura e intimi-dação, muitas vezes foi um
indicativo das relações entre os países durante
as guerras pelo controle da região da Caxemira", diz o pesquisador Moises
de Souza. Em 2010, ambas as partes assinaram um acordo para amenizar o tom
belicoso da cerimônia e evitar provocações por parte do público.
Fontes Jadson Porto, pesquisador de desenvolvimento
regional da Universidade Federal do Amapá; Kelly Ferreira, especialista em
Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (Unesp - Unicamp -
PUC-SP); Moises Lopes de Souza, especialista em Ásia do Núcleo de Pesquisas em
Relações Internacionais da USP e da National Chengchi University, em Taiwan;
Rebeca Steiman, geógrafa especialista em fronteiras sul-americanas
e pesquisadora do Grupo Retis/UFRJ