quinta-feira, 26 de maio de 2022

Lugar e valor do indivíduo

 

“O espaço impõe a cada coisa um determinado feixe de relações, porque cada coisa ocupa um lugar dado”.

Cada homem vale pelo lugar onde está: o seu valor como produtor, consumidor, cidadão, depende de sua localização no território. Seu valor vai mudando, incessantemente, para melhor ou para pior, em função das diferenças de acessibilidade (tempo, frequência, preço), independentes de sua própria condição. Pessoas, com as mesmas virtualidades, a mesma formação, até mesmo o mesmo salário tem valor diferente segundo o lugar em que vivem: as oportunidades não são as mesmas. Por isso, a possibilidade de ser mais ou menos cidadão depende, em larga proporção, do ponto do território onde se está. Enquanto um lugar vem a ser condição de sua pobreza, um outro lugar poderia, no mesmo momento histórico, facilitar o acesso àqueles bens e serviços que lhes são teoricamente devidos, mas que, de fato, lhe faltam.

Milton Santos


quarta-feira, 30 de março de 2022

Crítica ao Capitalismo

 


Crítica ao Capitalismo

O capitalismo precisa do crescimento continuo da produção e, portanto, do consumo, para se sustentar a si mesmo. Os benefícios daí colhidos sob a forma de tecnologia e melhoria das condições de vida são óbvios e palpáveis no Ocidente rico. Mas, dizem as vozes discordantes, o preço está a revelar-se demasiado elevado, especialmente em termos de danos infligidos ao ambiente, da dívida paralisante do terceiro mundo, das disparidades insustentáveis entre ricos e pobres, e do efeito destrutivo provocado nas comunidades pela transformação das pessoas em bens e das relações sociais em transações comerciais. As vozes discordantes conseguem citar incessante e perturbadoramente números sobre danos ambientais, pobreza, desperdício e exploração do terceiro mundo! Os factos sobre a horrenda perda anual de área da floresta virgem, as crianças asiáticas que cosem, por uns poucos cêntimos diários, as bolas de futebol com que as nossas próprias crianças brincam e as fomes dos países do terceiro mundo devidas à substituição da agricultura de subsistência por culturas de exportação, são já bem conhecidos. Menos conhecidos são factos como o homem mais rico do México ter mais dinheiro do que as dezessete milhões de seus compatriotas mais pobres todos juntos e os pagamentos anuais das dívidas de muitos países pobres ultrapassarem em muito o que eles podem gastar em saúde e educação. Considerações deste tipo revelam de forma violenta a injustiça e instabilidade da ordem econômica mundial, obrigando-nos a perguntar não se deverá esta ser alterada, mas como.

O marketing transformam-nos em criaturas ansiosas mas dóceis, a quem falsamente se faz crer que o caminho para o paraíso passa por comprar coisas comentadores e os filósofos condenam o desperdício, a sandice, a falsa consciência da sociedade consumista e a sua transformação das pessoas em vítimas, que descrevem como uma conspiração que nos empurra para o trabalho, para podermos comprar as migalhas de prazer que o sistema deixa cair das mesas daqueles cujos produtos desnecessários compramos. E, entretanto, somos inundados de lixo e poluição, enquanto nos sentamos à luz tremeluzente dos anúncios televisivos, comendo os nossos jantares insalubres preparados nos micro-ondas.

Retirado do livro “O Significado das Coisas", de A. C. Grayling